Uma visão médica sobre vício

O que os fatores fisiológicos dizem sobre a dependência
Provavelmente você conhece ou já conheceu alguém que fosse dependente químico e, possivelmente, essa pessoa também já disse que iria parar ou que poderia fazer isso sozinha no momento em que desejasse. No final, a história quase sempre se repete, a pessoa não consegue se livrar do vício, perde a confiança da família, passa a ser minuciosamente observada, julgada, descreditada e acaba alimentando um ciclo destrutivo.
Infelizmente existe um senso comum, não abertamente declarado, porém amplamente disseminado, de que o dependente químico “não larga porque não quer”. Mas é necessário esclarecer uma coisa: as DQs (dependências químicas) não são decorrentes de falta de caráter, preguiça, má vontade ou qualquer outro atributo moral ou social, e esse tipo de atribuição normalmente procede de ignorância.
A dependência química é uma doença. Uma doença neuroquímica, e que está classificada no Código Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS). “São doenças que comprometem a neurobiologia da vontade. O paciente perde a liberdade de escolher. Ele só ‘quer’ droga. A vontade não está mais a serviço de seus objetivos”, explica a psiquiatra Julieta Guevara. Ou seja, na maioria dos casos, o dependente não tem controle das suas vontades, seu cérebro foi afetado e ele não consegue dominar sozinho.
Em consequência, entram no conhecido estado de negação. Não percebem que estão doentes por desejarem apenas o agente da dependência. “Geralmente os usuários negam devido à necessidade de sentir o prazer que o uso de uma/ou mais drogas causam. É difícil encarar essa realidade e os prejuízos que este uso compulsivo tem como consequência. A negação é uma defesa, consciente ou inconsciente, usada para evitar, reduzir ou prevenir a ansiedade quando somos ameaçados”, esclarece a psiquiatra Maria Cristina De Stefano.
Tudo começa de maneira sorrateira, a pessoa consome o agente químico hoje e não percebe nada, até gosta. Amanhã novamente e depois de amanhã também. Sem se dar conta o indivíduo vicia seu cérebro com aquela substancia e quando percebe, não consegue mais parar. Por que o cérebro quer aquilo, precisa daquilo e é essa a mensagem que ele passa para o corpo inteiro.
“’Se fosse bom não seria uma droga’. As substâncias psicodislépticas, que causam alterações com danos nas funções cerebrais, em geral, desencadeiam a liberação instantânea e máxima de dopamina, neurotransmissor responsável pelas respostas de prazer, euforia, insônia, disposição e enfrentamento. Isso ocorre em uma região chamada de Sistema de Gratificação Cerebral. Em seguida a esta enxurrada dopaminérgica ocorre a completa ausência de dopamina, com reações de profunda depressão, angústia intensa, apatia, pavor, sonolência exagerada, completa falta de prazer, pensamentos mórbidos, medo da morte e ideação suicida. Imediatamente é desencadeada a busca por mais droga na tentativa de reduzir os danos emocionais intensos”, descreve a Dra Maria Cristina de Stefano.
De acordo com a Dra Julieta, existe vulnerabilidade para a dependência. “Aparece em famílias com diversas expressões do mesmo problema, por exemplo, alcoolismo paterno, uma mãe compulsiva por compras, filhos com tendência ao jogo patológico ou compulsão sexual. Estes problemas começam cedo, na transição entre a infância e a adolescência”. A Dra Maria Cristina De Stefano acrescenta que estudos revelaram que as mulheres podem ser mais vulneráveis a desencadear dependência e abuso de substâncias. “Isso acontece porque as mulheres são mais sensíveis à dor e porque sofrem mais em situações de estresse pelo efeito de hormônios, como o estrogênio e a progesterona. Mesmo menores quantidades de químicas neurotóxicas desenvolvem DQ”.
Há também a Dependência Emocional que, como explica a psiquiatra Juliana Guevara, como conceito se alicerça na necessidade patológica de aprovação constante junto a incapacidade de fazer algumas coisas cotidianas sozinhos. A psiquiatra Maria Cristina De Stefano diz que, “A pessoa portadora de DE pode desenvolver transtornos de ansiedade, reações constantes de estresse, medos imotivados, desespero e desesperança, que por si só levam a danos neurológicos contínuos, principalmente, em sistemas cerebrais de importância vital para a saúde mental, como o hipocampo, região onde se processam as memórias. Há necessidade de se estabelecer o nexo causal entre a doença e as modificações de comportamento para um tratamento adequado, seja medicamentoso e/ou psicoterápico.”.
De qualquer forma, em ambas as dependências, DE/DQ, é extremamente necessário o tratamento com especialistas, tanto para o dependente quanto para a família, que necessita de orientação para oferecer um suporte firme sem estabelecer julgamentos morais. Os chamados grupos de autoajuda, como AA, NA, Amor Exigente, entre outros, oferecem apoio incondicional, gratuito e anônimo para a recuperação e reabilitação de DQ/DE. Os grupos são formados tanto pelos dependentes como por familiares e amigos.
Traduzindo em palavras simples: vício é uma doença. Uma doença que afeta o cérebro, que afeta o sistema nervoso. O cérebro é como uma torre de controle do corpo, ele envia sinais que definem suas ações, suas escolhas. Se a torre de controle for comprometida, todo o resto será afetado e obrigado a obedecer às ordens da torre. Essas ordens são autodestrutivas. Como instalar minas ao redor de um ponto em que se está e depois tentar passar pelo campo sem se ferir. É impossível. Por isso, quando a torre está comprometida, é necessário pedir ajuda de outras torres.

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